desenvolvimento sustentável Meio Ambiente Socioambiental

Saneamento básico e o apagamento de população vulnerável 

Por Luiz Fazio, presidente da ONG Biosaneamento.

O Saneamento Básico é um conjunto de medidas que visa levar o acesso a serviços de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e controle de vetores de doenças. Quando o saneamento básico é inadequado ou inexistente, podem ocorrer impactos negativos à saúde da população e danos ao meio ambiente – contribuindo para o aquecimento global. Faz-se necessárias então várias mudanças para que este problema chegue mais próximo de um avanço, desde destinação de crédito de carbono para até mudanças estruturais nos levantamentos oficiais.

Podemos iniciar destacando que esgoto e o lixo não corretamente tratados são fontes de metano que aquece 20 vezes mais a atmosfera do que o CO2. Indo um pouco além, podemos estabelecer uma relação indireta importantíssima quando pensamos nas populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas que têm um papel importante na preservação das florestas (principal lição de casa do Brasil no aquecimento global) e serão vitais para o desenvolvimento da bioeconomia, pois vivem nos territórios da ponta. 

Acredito que podemos já trazer para discussão que os recursos provenientes dos créditos de carbono precisam ser destinados à constituição dessas infraestruturas que serão vitais para a bioeconomia e consequentemente para a preservação da floresta e o aquecimento global. Para isso, precisamos evoluir em temas que vão desde a legislação até a regularização fundiária desses territórios. 

Quando falamos que grande parte da população vive sem saneamento básico, nos referimos aos lugares urbanos e rurais “esquecidos” pelos órgãos responsáveis pela medição dessa população vulnerável. Hoje, os números de saneamento básico no Brasil, inclusive os que são divulgados por institutos independentes como o Trata Brasil, são exclusivamente baseados no SNIS (Sistema Nacional de Informações Sobre o Saneamento) que estruturalmente apresentam características que fazem com que eles sejam sistematicamente diminuídos. Como exemplo gritante que confirma isso, posso citar os dados de 2022 que mostram que a cidade de São Paulo já está com 100% do esgoto coletado. 

A causa principal dessa sequência de erros gritantes é que o SNIS não considera comunidades isoladas pequenas ou comunidades informais, o que inclui todas as favelas e algumas comunidades rurais, em seus levantamentos. Estes lugares “não lembrados” pelo governo é onde nós da ONG Biosaneamento e parceiros trabalhamos fortemente para levar saneamento básico e mudar a realidade de milhares de famílias.

Fica claro que, apesar dos números do SNIS serem alarmantes, a nossa situação infelizmente é muito pior do que eles retratam. Como mudar isso? É  impossível estabelecer políticas públicas e projetos de saneamento inclusivos e eficientes sem termos números que retratem o tamanho do problema. Por isso, é necessário uma mudança no regime de levantamento de dados por parte do SNIS e medidas governamentais mais intensificadas. O Trata Brasil calculou recentemente que o Brasil lucraria um trilhão de reais em 10 anos com o saneamento universalizado. Nessa conta entram a valorização imobiliária, gastos em saúde e faltas no trabalho por motivos de doenças. Já a OMS fala há algum tempo que se economiza quatro vezes mais em saúde quando se investe em saneamento. Existem também pontos difíceis de mensurar como: o que acontece com a saúde a longo prazo e a autoestima de uma criança que cresce numa comunidade sem saneamento?

É preciso constituir condições para fazermos os investimentos necessários no saneamento para todos. Os contratos celebrados dentro do arcabouço do Marco do Saneamento possibilitam o descongelamento dos investimentos, mas ainda estamos longe de caminhar para a universalização, pois nem todas as áreas serão economicamente viáveis. 

Hoje, acreditamos na escuta da comunidade para propor soluções. Já conseguimos estabelecer parcerias com outras ONGs, empresas de saneamento e grandes corporações interessadas no desenvolvimento de territórios. Com isso, já impactamos positivamente cerca de 1200 famílias.

Por mais que este trabalho do terceiro setor seja importante e gere mudanças, é necessário que haja mais políticas públicas que se envolvam e trabalhem nesse sentido. É fato que não podemos esperar produtividade e bons caminhos para os projetos sociais, ambientais, econômicos e relacionados à saúde, sendo que temos uma porcentagem grande da população que não tem acesso ao básico, com crianças que ficam com dor de barriga por conta de doenças de veiculação hídrica originadas pela falta serviços básicos fundamentais ao nosso estilo de vida e garantidos pela constituição.

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