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Vivo para eu mesmo ou para o outro?

Vivo para eu mesmo ou para o outro?

Paulo de Abreu Lima

Há cerca de um mês atrás se realizou o McDia Feliz, uma iniciativa do McDonald´s que apóia instituições que atendem crianças com câncer. Um pouco antes, me parece, aconteceu, também, o evento Teleton, uma ação de grande porte, envolvendo, inclusive grandes redes nacionais de TV. Ações desta natureza não passam despercebidas e são dignas de respeito, pois demonstram sensibilidade da sociedade, ou pelo menos de alguns setores, em mobilizar-se para contribuir na reparação de graves problemas sociais – problemas de saúde infantil, nestes casos.

 Na ocasião do McDia Feliz, ocorreu-me uma reflexão acerca do quanto  ainda há para fazer. Ocorreu-me um sentimento de que tais ações são gotas no oceano. Não há dúvida de que são ações muito importantes e dignas de reconhecimento da sociedade. Mas, novamente, é uma ação dirigida para um segmento (crianças com câncer, no caso do McDia Feliz, e crianças com deficiência física, com caso do Teleton). E a cidade de São Paulo, com a sua enorme dimensão física e demográfica, tem um quadro de miséria e        carência social de não dar inveja a quase nenhuma outra cidade no mundo.

Ocorre-me, portanto, a seguinte questão: como a sociedade tem refletido sobre isto tudo? Ela tem refletido?  McDia Feliz e o Teleton são uma grande festa onde as pessoas se envolvem festivamente – shows, etc. A sociedade apóia contribuindo financeiramente (lembrei, agora, do Criança Esperança, outra grande ação institucional, inclusive Global) – e, de fato, estes eventos arrecadam grandes somas – mas, e sua conduta, diante desta realidade? Seu comportamento no cotidiano da cidade, especialmente no relacionamento entre as camadas sociais diferentes; aliás, muito diferentes.

A nossa cultura social tem uma característica muito interessante: somos muito solidários em situações de catástrofes sociais (incêndios, enchentes, desabamentos, etc.), mas temos uma catástrofe social latente na nossa sociedade (e com esta catástrofe parece que não há meio de sermos solidários): é a má distribuição de renda; a miséria social e econômica de, seguramente, mais da metade da população da nossa cidade de São Paulo (reflito sobre São Paulo, que é onde vivo, vejo e sinto este quadro no meu cotidiano). Há dois indicadores muito claros dessa situação: a absurda quantidade de crianças nas ruas e esquinas pedindo e vendendo confeito e bugigangas e a, não menos absurda, parte da população economicamente ativa em situação de subemprego (acho importante lembrar, também, das milhares de empresas que contratam o funcionário por  X  mas o registram por bem menos que  X….). Novamente: como tem sido a conduta da sociedade diante disto? A sociedade tem se mobilizado efetivamente para realizar mudanças?  As ações institucionais são bons exemplos disto – mas me refiro a mudanças de comportamento; respeito a regras de convivência ( no trânsito, no condomínio, na padaria, etc.). Paulo Freire sempre enfatizou que a nossa sociedade é muito autoritária e eu acho que esta é a questão quando refletimos que tipo de conduta a sociedade está assumindo para as mudanças necessárias. Pois as condutas mínimas e, aparentemente menores (trânsito, condomínio, etc ), refletem, sim, a nossa percepção e disposição de troca e partilha. Ora, se vivemos neuroticamente nosso cotidiano para não ceder a passagem no trânsito, nossa conduta interna nos direcionada, em princípio, a não ceder, a não partilhar – isto me faz lembrar a possibilidade da eleição do Lula, em 92, e o temor social que se instalou, com a boataria de que, caso o PT fosse eleito na Presidência da República, haveria um caos social pois as famílias de melhor posse teriam que partilhar seus bens forçadamente. Partilha não é isto…Acho que partilha é pensar no bem estar de todos e não só no meu, individualmente. É pensar no que podemos fazer para melhorar o bem estar de toda a sociedade (quando jogamos papel na rua, por exemplo, e esse papel vai para o córrego próximo,  entupindo um bueiro, contribuindo para alagamentos, na época das chuvas – ou indo para o Pinheiros ou Tietê, ajudando na deterioração da água destes rios). É uma questão difícil e muito complicada. A equação disto passa por uma profunda reflexão psicológica, econômica e filosófica e que toca numa questão não menos complicada e, parece, primordial: vivo para eu mesmo ou para o outro?   


Paulo de Abreu Lima é psicólogo

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